Life Cycle Design e a estratégia da obsolescência
Osurgimento da insustentabilidade e do anseio pela aquisição dos artefatos dentro da cultura da industrialização teve, infelizmente, uma grande participação dos designers (nós). Porém, esses atores sociais (nós) podem ser parte da solução, justamente por serem aqueles que, mais do que quaisquer outros, lidam com as interações cotidianas dos seres humanos e seus artefatos.
Mesmo não tendo meios para impor sua própria visão aos outros, os designers possuem a oportunidade de operar sobre as coisas e sua aceitabilidade, ou seja, é possível que, sob a influência daquilo que é criado, atuar sobre a atração e exercer novos cenários de bem-estar social, ampliando horizontes para a inserção da sustentabilidade. Esta é uma ideia apresentada por Ezio Manzini, autor recorrente do design sustentável. Ele explica que desta forma, é possível aumentar a durabilidade de um produto, reduzindo os danos causados ao meio ambiente pelo consumo desenfreado e uso ilimitado de recursos.
ciclo de vida de um produto, que abrange desde as atividades necessárias para a sua produção, distribuição, utilização, eliminação/descarte devem ser consideradas como uma única unidade. Este é um conceito comum no design sustentável, uma vez que a importância desse pensamento se justifica por proporcionar a possibilidade de agir preventivamente como uma solução sistêmica, migrando do projeto do produto para o sistema-produto como um todo, evitando dessa forma a necessidade de intervir com soluções remediadoras para gerir os impactos ambientais por ele ocasionado.
Um produto considerado ecoeficiente atende a uma série de requisitos que vão além do contexto ambiental, tais como a prestação de serviços, tecnológicos, econômicos, legislativos, culturais e estéticos. O Life Cycle Design busca atuar em todas as fases desse processo, integrando em cada uma delas um pensamento voltado para um sistema-produto sustentável em todos os seus âmbitos. Cria, então, estratégia que contribuem positivamente para a transformação:
· Minimização e escolha de recursos de baixo impacto ambiental: são os principais objetivos em todas as etapas do ciclo de vida dos produtos, correspondendo à redução do uso de materiais, de energia ou a escolha de ambos por uma de maior ecocompatibilidade;
· Otimização: produção de produtos que perdurem por mais tempo, sendo relacionada principalmente com as fases de distribuição (embalagem), uso e eliminação/descarte;
· Extensão da vida: projetar avaliando o valor do produto para sua reutilização após sua eliminação/descarte;
· Facilidade de desmontagem: projetar para a fácil separação dos materiais e suas partes, otimizando a vida e a extensão dos produtos.
Infelizmente, o Life Cycle Design é muito mais avançado na teoria do que é posto realmente em prática. As variáveis que implicam na sua dificuldade de implementação se ampliam em elementos como o tamanho da empresa, legislações e o tipo de produto, mas muito se dá também pela fragmentação dos atores envolvidos e as inércias industriais no que diz respeito à orientação dos sistemas produtivos. Assim, vê-se empresas com potencial ignorando a diferença que podem fazer no meio ambiente e na sociedade com um todo.
Mais agravante que a falta de iniciativa das empresas em adotar uma mudança sistêmica atuando nessas etapas de projeto são aquelas que interferem no ciclo de vida do produto propositalmente de maneira pretensiosa e ambiciosa, com o objetivo de aumentar sua lucratividade (e do consumo como consequência) utilizando a estratégia de mercado conhecida como a obsolescência dos produtos ou serviços.
O conceito de obsolescência é abordado por diversos autores, que afirmam que a atividade dos comerciantes e dos publicitários consiste em criar necessidades num mundo que desmorona sob as produções, exigindo uma taxa de rotatividade e de consumo cada vez mais rápida e, portanto, uma fabricação de resíduos cada vez mais intensa e uma atividade de tratamento dos resíduos cada vez maior.
Muitos economistas defendem essa estratégia como essencial para o avanço tecnológico, sendo preferível a rápida obsolescência dos produtos e serviços ao invés da alta durabilidade e lenta inovação.
Para suprir essa necessidade de novidades e manter a competitividade, empresas não só ignoram o sistema de ciclo de vida dos produtos como os invertem, tornando seus produtos e serviços obsoletos.
As estratégias de obsolescência de um determinando produto ou serviço podem ser determinadas artificialmente, mas também podem ser influenciadas por diversos outros fatores. Diferentes classificações sobre os tipos de obsolescência são encontradas e abordadas por diversos autores, cada uma seguindo o pensamento da sua época. Packard (1965), por exemplo, cita três tipos de obsolescência para a troca de produtos: função(substituição de um produto antiquado por um que executa melhor função), qualidade (substituição por avaria ou gasto do produto devido ao uso por um período de tempo) e desejabilidade (mudança da percepção do usuário perante um produto. Já na visão de Leonard (2011), são três as classificações das estratégias de obsolescência presentes na sociedade: a planejada (direcionada para que os usuários permaneçam adquirindo o produto, independente do mesmo precisar ou não dele), tecnológica (avanços da tecnologia que tornam o produto antigo ultrapassado) e a instantânea (produtos programados para se tornarem obsoletos de uma forma ainda mais rápida, como o caso dos bens descartáveis).
Apesar dos autores consultados acima serem de épocas diferentes, alguns fatores sobre a estratégia da obsolescência são levados em consideração por todos, tais como os aspectos técnicos do produto e sua influência na qualidade, os aspectos tecnológicos e a percepção psicológica atrelada à estética e aos ciclos da moda. Dessa forma, pode-se classificar a estratégia da obsolescência em três categorias: tecnológica, programada e perceptiva.
A obsolescência tecnológica, segundo Packard, é positiva e deve ser incentivada, pois é o resultado de um avanço tecnológico que proporciona ao produto ou serviço uma maior eficiência, cumprindo a função para o qual foi projetado e atendendo as necessidades do seu usuário, sendo justificável a substituição do antigo (mesmo que em funcionamento) pelo novo. Todavia, este tipo de obsolescência é muito raro de ser visto, uma vez que a “mudança tecnológica” é apenas uma alteração estética externa do produto, sendo nesses casos substituídos pela obsolescência programada ou perceptiva.
A obsolescência programada consiste na interrupção ou na manipulação da vida útil de um produto ou serviço por parte do seu fabricante, encurtando-a propositalmente para obrigar os consumidores a comprarem em um curto espaço de tempo novos produtos para a mesma finalidade.
Por fim, a obsolescência perceptiva é a desvalorização prematura de um produto ou serviço sobre o ponto de vista emocional, substituindo o antigo pelo novo apenas por uma alteração estética. Esta desvalorização psicológica, conforme os autores, implica na sensação que o usuário tem ao perceber que seu produto ou serviço tornou-se ultrapassado, fazendo com que ele perca a o desejo sobre ele, mesmo que ainda permaneça funcionando e em perfeitas condições de uso. Este “desgaste” do produto na mente do consumidor é uma das formas mais aplicáveis e seguras de serem implementadas depois da obsolescência planejada, uma vez que se torna possível movimentar a sociedade do consumo pela constante troca de tendências e estilos.
Com tantos desafios, é necessário reforçar que a sociedade do crescimento não é apenas indesejável como é considerada insustentável. A voracidade pela expansão em ter à disposição um crescimento infinito de produção e consumo estão ultrapassando as capacidades de regeneração da biosfera, na qual o homem transforma os recursos em resíduos mais rápido do que a natureza consegue transformar esses resíduos em novos recursos.
Obem-estar visto como a aquisição de produtos e serviços torna-se totalmente insustentável por fatores que vão muito além de uma catástrofe ambiental. Primeiramente, o planeta é incapaz de suportar o crescimento assíduo da população e, consequentemente, absorver toda a forma de consumo por ela originada.
Esse cenário agrava-se ainda mais pelo surgimento de uma catástrofe social, na qual apenas 20% (ou menos) do total da população possui realmente condições de ter uma vida baseada no consumo, sendo o restante desta parcela forçada a apenas observar, sem nenhuma possibilidade real de inclusão.
Além disso, é de conhecimento que, atualmente, cerca de 20% da população vive com o modelo de bem-estar baseado no produto e que, sozinha, consome 80% de todo os recursos ambientais disponíveis. Se esse modelo continuar sendo adotado e se proliferar para o restante da população, o padrão de consumo hoje estabelecido não terá meios e recursos viáveis de sobreviver.
O espaço disponível no planeta é limitado. Dos seus 51 bilhões de hectares, apenas uma fração de 12 bilhões são espaços úteis para a reprodução e manutenção da vida. A divisão desse valor versus a população mundial atual resulta em aproximadamente 1,8 hectare por pessoa. Dados levantados pela Redifining Progress e World Wide Fund For Nature (WWF) revelam que o espaço bioprodutivo consumido alcançou o valor quantitativo médio de 2,2 hectares, ou seja, a humanidade já consome quase que 30% além da capacidade de regeneração da biosfera. Esse descontentamento social e o sentimento de frustração atrelado ao anseio que levam ao consumo ilimitado está colocando o nosso sistema rumo à uma direção errônea que cresce exponencialmente, aumentando alarmantemente a dívida ecológica, que evoluiu de 70% para 120% do planeta entre 1960 e 1999.
Fonte: Redifining Progress e World Wide Fund For Nature (WWF).
Para que possamos viver melhor, é fundamental uma mudança na forma de como a sociedade produz e consome, na forma de como ela aproveita e direciona os seus esforços eliminando, primeiramente, todas as fontes de desperdícios (embalagens perdidas, o mau isolamento térmico, prevalência do transporte rodoviário, etc.) e aumentando a durabilidade dos produtos e serviços.
O crescimento e a cultura da industrialização tornam-se rentáveis atualmente pois seus pesos recaem sobre a natureza, nas gerações futuras, na saúde dos consumidores, nas condições de trabalhos dos assalariados e, mais ainda, na exploração dos países em desenvolvimento.
Todos os regimes modernos foram produtivistas, propondo o crescimento econômico como uma pedra angular inquestionável de seu sistema, independentemente de serem repúblicas, ditaduras, governos liberais, socialistas, comunistas, etc. Se este sistema prevalecer dentro das sociedades, o único legado que será deixado para as futuras gerações será um planeta colapsado socialmente e ambientalmente, onde as ações e intervenções humanas já podem ser sentidas nos dias de hoje.