A ilusão da compreensão

10/12 Por Paulo Moraes

Tenho certeza que todos, assim como eu, possuem seus ídolos, com inspiradoras histórias de superação e sucesso. Questionar o que acreditamos é um pouco difícil e desconfortável, mas será que compreendemos realmente essas histórias?

A tentativa incansável por dar algum sentido ao mundo explica o conceito de “falácia narrativa”[1]. Relatos inconsistentes do passado criam histórias simples e sólidas, polarizadas no sucesso de um gênio, ou no fracasso de um incompetente. As histórias eliminam qualquer evento aleatório relacionado à sorte, ao acaso. Assim, explicam toda a narrativa, entregando um herói, e criam sentido moldando e distorcendo a realidade.

Um ano após o Google nascer, os fundadores estavam dispostos a vender a empresa por menos de um milhão. O comprador achou alto demais e declinou a oferta. Nenhuma história leva os “não eventos” em consideração. Talvez você concorde comigo que os mesmos visionários fundadores do Google poderiam ser considerados míopes por terem cogitado vender uma empresa tão valiosa por tão pouco.

O sucesso ou fracasso das histórias e das pessoas ganha um contraste extra gerado pelo efeito halo[2], que nos inclina a usar um atributo de uma pessoa a todas suas qualidades, sendo ela herói ou vilão da história. Você conseguiria ver Hitler como uma pessoa que adora cães? O efeito halo nos ajuda a manter as narrativas simples e consistentes, mas não reais. Qualquer quebra de expectativa gera a desconfortável sensação de falta de compreensão. Naturalmente fugimos disso.



A simplicidade de explicarmos eventos complexos baseando-nos em poucos eventos cria a ilusão de compreensão do passado, ao mesmo tempo, permite a sensação que podemos prever o futuro.

Quando um evento inesperado acontece jogamos uma cortina de fumaça no ocorrido dizendo “eu sempre soube”, sendo na verdade o viés retrospectivo, fazendo que torne quase impossível uma avaliação justa e neutra.

Imagine um procedimento cirúrgico ou estético que cause qualquer dano à saúde. Após o ocorrido, sempre vamos pensar que deveria ter sido evitado e que os riscos não foram considerados, mesmo que antes do evento nossa opinião fosse que existe apenas um pequeno risco. Essa percepção tardia é extremamente cruel e cria vilões facilmente. Somos propensos a culpar bons tomadores de decisões por alguma decisão errada e não percebemos que seu erro ficou claro somente pelo simples fato de já ter ocorrido. Quanto maior for a consequência, mais forte se torna o viés retrospectivo. O oposto também é verdadeiro, pois eventos de sorte podem coroar um líder irresponsável.

As ilusões sobre o passado nos trazem equilíbrio e tranquilidade. Imagine como seria viver na ansiedade de que não sabemos que tipo de ação gerou tal consequência. Essa nossa necessidade alimenta grande parte dos livros de negócios, sempre contando jornadas bem-sucedidas de empreendedores de sucesso. Uma pesquisa[3] mediu a correlação entre o sucesso de empresas e a qualidade de CEOs, chegando no resultado de que a combinação de uma empresa bem-sucedida administrada por um bom CEO acontece em 60% dos casos. Somente 10% a mais do que a chance de acertar usando cara ou coroa. Portanto, para prever o sucesso de uma empresa com determinado CEO, por mais dados que sejam levantados, a precisão não será muito maior do que jogando uma moeda. De qualquer forma 3:2 ainda é melhor que 1:1. Nos negócios, outro ponto de vista é perceber que algumas ações de CEOs são tomadas porque a empresa vai mal, e não, a empresa vai mal porque o CEO faz tal tipo de ação.

Com todas as dificuldades de entendermos o passado e ainda mais de prevermos o futuro, é contra intuitivo o perfil de quem chega mais perto. O forte alinhamento ideológico aumenta as chances de errarmos nas previsões. Quanto mais certeza sobre determinado assunto, quanto mais dentro da nossa área de interesse, mais erramos. Já as pessoas pragmáticas, um pouco inteligentes, com curiosidade geral por todo tipo de assunto, abertas às novas experiências, que analisam mais de um lado de cada problema, desconfiadas, com diferentes pontos de vista e com fontes diversas, de fato são mais assertivas.[4]

Quando o futuro que buscamos está relacionado ao nosso, o melhor que podemos fazer é nos expormos ao máximo a eventos, mesmo que aleatórios, relacionados aonde queremos chegar. Devemos tomar risco. Por mais planejado que seja nosso futuro, não temos certeza do sucesso, mas sim, a certeza que quanto mais expostos a esses eventos, maiores são as nossas chances.

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[1] O conceito de falácia narrativa foi apresentado pelo investidor, filósofo e estatístico Nassim Taleb no livro “A lógica do cisne negro”.

[2] “Efeito Halo” apresentado no livro “Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar”.

[3] Pesquisa apresentada no livro “Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar”.

[4] Como prever o futuro | Nerdologia. 2018.

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