Como escutar os outros pode transformar vidas
Desde criança, sempre fui bastante curiosa. Adoro ouvir as histórias das pessoas, de como as coisas funcionavam em determinada época, de como tal situação aconteceu, como fulano conheceu ciclano. Mesmo que essa informação não fosse útil, eu sempre estive interessada em conhecer um pouco mais. Hoje eu realmente acredito que a escuta pode ser transformadora. É a partir dela que podemos nos conectar com a história de vida do interlocutor e então construir um vínculo verdadeiro.
Essa tem sido a nossa dificuldade, cada dia vejo o quão difícil tem se tornado escutar, seja dentro das nossas relações de trabalho, amigos, familiares e com nossos companheiros. Quando passamos a não escutar as pessoas a nossa volta, vamos perdendo cada vez mais os vínculos, tornamos os ambientes em lugares desconfortáveis, perdemos o cuidado com o outro, abrindo espaço para a agressividade e isolamento.
Partindo do princípio que escutar não é o mesmo que ouvir, escutar é mais que ouvir. Ouvir é a capacidade de captar os sons do nosso aparelho auditivo. Escutar o outro é escutar o que o outro realmente diz, não o que nós, ou ele mesmo, gostaria de ouvir. Escutar o que realmente alguém sente ou expressa, e não o que seria mais agradável, adequado ou confortável sentir. Escutar o que realmente está sendo dito e pensado, e não o que nós ou ele deveríamos pensar e dizer. Este não é um processo simples, além de ser de extrema importância para as relações humanas, não é algo ensinado nas escolas, é um processo que exige prática e empenho.
É por esse motivo que a arte da escuta começa pela escuta de si, não apenas do que você gostaria de ver e de encontrar em si, mas com toda a extensão real que aí existe, incluindo vozes indesejadas, sentimentos inadequados, sinais contraproducentes e mensagens enigmáticas. Escutar-se é desconhecer-se, despir-se do conhecido e das inúmeras versões que fazemos e refazemos de nós mesmos.
Já para desempenhar o papel de um escutador, também, é necessário nos despirmos das nossas próprias roupas, suspendermos juízos, valores e preconceitos, assumindo assim a roupa disponível para o papel requerido pelo interlocutor. Escutar é abrir-se para a experiência, acolhendo a vulnerabilidade e para as possibilidades que o momento nos proporciona. Esse processo tem se tornado cada vez mais raro, principalmente pelo fato da nossa individualização se tornar cada vez maior e a vivência em uma sociedade em que toda ação busca por resultados concretos e mensuráveis, sempre mais interessada na chegada do que no caminho. Escutar é essencialmente estar no caminho, a escuta está centrada mais no processo que no produto, mais dependente de caminhar junto do que chegar no lugar certo.
Até aqui entendemos que escutar é um processo que dá trabalho, leva tempo e envolve riscos. Por isso, para facilitar esse processo, a partir da leitura do livro "O Palhaço E O Psicanalista", gostaria de compartilhar quatro passos para uma escuta acolhedora e empática:
Passo 01: acolher o que o outro diz na sua linguagem e no seu tempo próprio.
Passo 02: cuidar do que se disse, como se cuida da relação entre os que se encontram debilitados.
Passo 03: permitir ser o que se é, abrindo-se ao estrangeiro, em nós e no outro, com todas as incoerências e contradições.
Passo 04: carregar, compartilhar e transmitir a experiência vivida.
Estes passos não são o resumo do livro, ele traz muito mais, traz histórias de um palhaço e de um psicanalista, trazendo conceitos e técnicas de escuta bem elaboradas e com bom humor.
Por fim, ressalto que não são somente estes dois tipos de profissionais, ou líderes de equipes, que precisam rever a forma como escutam. É claro que sempre haverá ruído, que atrapalha e altera o que foi dito e o que foi ouvido, depende de nós estarmos abertos para transformarmos a mensagem da melhor forma possível.
Por isso, gostaria que todos nós pudéssemos rever a forma como escutamos uns aos outros. Seja lendo um livro, fazendo um curso, ou dinâmica em grupo. Precisamos de um mundo mais apto a ver e entender as diferenças, um mundo verdadeiramente interessado em transformar uma vida de sofrimento para uma vida que vale a pena ser vivida, e este processo começa pela escuta.